Presidente vem sendo aconselhado a mandar embora o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para evitar mais desgaste contra o governo, além do causado pela CPI da Covid. Outro motivo é manter o discurso de que na sua gestão não existe corrupção
Ainda em silêncio sobre a denúncia feita pela Polícia Federal de que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estaria envolvido em um esquema de contrabando de madeira para os Estados Unidos e países da Europa, o presidente Jair Bolsonaro resiste em retirá-lo do cargo. Mas a fritura começou, embora em fogo brando, pois tem sido aconselhado por aliados a exonerar o ministro para evitar desgastes à sua gestão.
Mas, enquanto a temperatura não aumenta, Bolsonaro diz manter a confiança em Salles. Na live de ontem, defendeu o ministro e disse que ele luta contra os “xiitas ambientais”do Ministério Público. Isso demonstra claramente que o que mais pesa para o presidente decidir pelo afastamento é o fato de o ministro ser um dos mais alinhados ideologicamente com ele. Só que, diante da revelação de supostas ações que facilitaram a exportação ilegal de madeira, a avaliação de pessoas próximas a Bolsonaro é de que é mais importante proteger a própria imagem em detrimento de outros membros do governo, independentemente de afinidade.
Além disso, como o chefe do Palácio do Planalto faz questão de frisar constantemente que nunca foi revelado um caso de corrupção dentro da sua gestão desde 2019, substituir Salles seria mais uma forma de o presidente se proteger num momento de extremo desgaste dele e do governo por causa da CPI da Covid — que vem expondo os graves erros do Executivo no manejo da pandemia. Aliados acreditam que a manutenção do ministro do Meio Ambiente e eventuais desdobramentos da investigação podem jogar contra o que Bolsonaro sempre se orgulhou e manchar o discurso da lisura.
Entre os possíveis crimes que Salles pode ter cometido na participação do esquema, a Polícia Federal (PF) encontrou indícios justamente de corrupção. Após a operação da última quarta-feira, quando agentes da corporação apreenderam computadores, celulares e outros aparelhos eletrônicos do ministro e tiveram autorização para acessar mensagens enviadas por ele, a PF agora quer confirmar se o chefe do Meio Ambiente ofereceu ou prometeu vantagem indevida a funcionários da pasta para determiná-los a praticar, omitir ou retardar atos de ofício. Querem saber, também e se o ministro recebeu qualquer tipo de vantagem para infringir o dever funcional.
Por enquanto, a PF afirma que Salles exonerou servidores do ministério que eram contra a ideia de o governo flexibilizar as regras de exportação de produtos florestais para permitir que madeireiras tivessem mais facilidade no envio do material para fora do país. Ainda segundo a corporação, o ministro colocou pessoas de confiança em departamentos do Meio Ambiente responsáveis pela inteligência de fiscalização, possivelmente para não ter problemas na modificação de normas sobre exportação.
Repercussão
Defensores do governo no Congresso têm opiniões diferentes sobre qual deve ser a reação de Bolsonaro ao caso de Salles. Para o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), o que está ao alcance do presidente para amenizar a situação é defender o ministro e continuar acreditando no seu trabalho.
“Não existe nada que comprove (o envolvimento de Salles). Precisamos de provas cabais, algo que demonstre erros. Mas, pelo que eu vi, não tem ainda. A defesa do ministro vai lidar com toda a serenidade e na certeza de que ele está fazendo a coisa certa na sua pasta. Se provarem o contrário, as coisas mudam”, destacou.
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) comentou que “sempre é possível que se sofra operações, isso significa que a PF está trabalhando e tem autonomia”. Ela disse confiar na conduta ilibada de Salles, mas destacou que qualquer tipo de crime não deve ficar impune. “Se alguém sob sua gestão prevaricou, que seja investigado e punido. Esse governo não passa a mão na cabeça de ninguém”, afirmou.
Um dos poucos membros do governo a se manifestar, o vice-presidente Hamilton Mourão comentou que Salles conversou com Bolsonaro sobre o que aconteceu e que o “presidente deve ter considerado as razões que ele apresentou e aguarda o desenrolar dessa investigação”.
“Toda história tem dois lados. Então, por isso que tem que fazer uma investigação policial; não se pode condenar a priori. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, ao autorizar isso, provavelmente reconheceu que existem indícios fortes. Senão, ele não teria autorizado. É questão de investigação. Segue o baile. Então, vamos aguardar o desenrolar”, observou Mourão.
Enquanto Bolsonaro mantém Salles no posto, partidos políticos e entidades da sociedade civil recorrem ao Supremo Tribunal Federeal (STF) para pedir o afastamento do ministro. Ontem, a bancada da oposição na Câmara, em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Frente Parlamentar Ambientalista, enviou um ofício a Alexandre de Moraes cobrando providências sobre um pedido de impeachment apresentado em junho de 2020, ao Ministério Público Federal (MPF), contra Salles.
O pedido denunciou à Procuradoria-Geral da República (PGR) indícios de irregularidades e crimes de responsabilidade, “com grave dano para o meio ambiente e para a administração pública” cometidos pelo ministro.
“Nós estamos denunciando os crimes de Salles há muito tempo, sem que a PGR dê continuidade nas investigações, blindando o antiministro. Nesse tempo, quantos hectares de floresta foram derrubados? Quantas vidas indígenas poderiam ter sido salvas? Nós esperamos que as operações sejam só o começo e que o fim da gestão Salles seja imediato. Por isso, encaminhamos ao STF cópia das denúncias que estão paradas na gaveta de Augusto Aras”, ponderou a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS).