Prestes a ser publicado, decreto de Bolsonaro planeja proibir redes sociais de apagarem conteúdos ou suspender contas sem decisão judicial
Numa espécie de antecipação à campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro está preparando decreto para proibir as redes sociais de apagar conteúdos ou suspender contas sem ordem judicial. A medida é vista por bolsonaristas como ‘liberdade de expressão’ e pelos políticos em geral como uma abertura para a produção de fake news.
O deputado Dagoberto Nogueira (PDT), que é de oposição, diz que um ato administrativo do governo não pode determinar sobre essa responsabilidade do provedor e isso cabe a uma decisão judicial. “Estamos preocupados com esta questão e estudando a melhor forma de intervir para garantir a democracia e a liberdade de expressão.”
De acordo com o Radar Econômico, o governo federal prepara uma minuta para alterar o decreto já existente e que hoje regula o Marco Civil da Internet. Os ministérios estão usando o argumento de que se o “provedor” não pode ser responsabilizado pelo conteúdo colocado em sua plataforma, também não pode retirar o conteúdo usando como justificativa seus termos de uso. A minuta do decreto prevê algumas exceções como nudez, incitação à violência ou apologia ao uso de drogas, entre outros.
Parece que o governo Bolsonaro quer se antecipar ao que aconteceu ao ex-presidente Donald Trump, nos EUA, que teve as contas suspensas após propagação de fake news e incitação ao ataque ao Capitólio após sair perdedor das eleições. Cheira a espécie de ‘proteção’ às redes sociais bolsonaristas, que consecutivamente têm seus conteúdos denunciados e apagados por conter informação falsa.
Direito Digital Eletrônico
Especialista em Direito Digital/Eletrônico, a advogada Silvia Aparecida Ibanez Martins disse que o Marco Civil da Internet, que permite que os provedores de redes sociais como Facebook e Youtube retirem conteúdos que são indicados como fake news no Brasil, ajuda no combate a desinformação e a todos os estragos causados por elas à sociedade.
“Uma notícia falsa se alastra de tal rapidez que fica muito difícil a retratação em tempo real. Quando se afirma que o Marco Civil permite que os provedores retirem os conteúdos que são indicados como fake news, a lei não afasta a possibilidade das plataformas excluírem conteúdos indevidos, em algumas situações especificas, porém, devemos nos ater que estas plataformas têm seus próprios termos de uso, sua política, embasada nos dispositivos legais, em que o usuário deve dar o aceite para sua participação, portanto deve ter conhecimento do que se é permitido ou não.”
Liberdade de expressão x fake news
Questionada sobre o fato de donos de páginas das redes sociais se utilizarem da ‘liberdade de expressão’ para disseminar fake news, a advogada explica que existem diferenças e que as fake news “são notícias infundadas, que não são reais, o próprio termo insere no contexto”. “O fake é falso, uma situação não verdadeira, portanto não se enquadra na liberdade de expressão”.
Ibanez ainda ressalta que o próprio Código Penal brasileiro limita a liberdade de expressão com os crimes contra a honra, injúria, calúnia e difamação. “Por exemplo, não podemos sair por aí acusando alguém de ter cometido um crime falsamente, assim é na vida digital.”
Sobre o dever de exigir determinação judicial para a retirada das páginas que disseminam fake news, Ibanez afirma que, diante dos danos e propagação rápida das informações falsas, os provedores devem ter ações através das políticas de uso, como já ocorre.
“Entendo que o provedor, através da política de uso da plataforma, possa sim ajudar a combater as fake news, mas entendo que esta condição deve constar no contrato da política de uso, em que o usuário ira participar, com embasamentos legais, assim como o usuário que inserir seus dados, suas fotos, suas informações pessoais, também deve se ater às regras de uso, sob pena de responder por alguma transgressão.”
Decreto presidencial
Indagada sobre a alteração prevista pelas mãos do presidente Jair Bolsonaro, e se isso pode causar prejuízos ao uso das redes, a advogada justifica que prefere não entrar na questão político-ideológica, mas responde de forma técnica.
“Quanto aos prejuízos ao uso das redes sociais, entendo que, se aprovada a minuta, deverá ocorrer uma adaptação. Porém, importante salientar que, quanto ao argumento, que se os provedores não podem ser responsabilizado pelo conteúdo da plataforma também não podem retirar o conteúdo relacionado a fake news, aa verdade, há discussões de juristas de que o artigo da lei do Marco Civil prescreve que o provedor somente será responsabilizado se, após ordens judiciais, não tomarem as devidas providências. Doutrinadores descrevem que o artigo não deixa evidente sobre os requisitos para remoção de conteúdo, bem como as condições para o termo de uso das plataformas, assim há de se considerar a política de uso das plataformas digitais, o que as plataformas podem permitir ou não para que o usuário ingresse neste círculo e, neste sentido, vários juristas relatam que esta condição deverá ser analisada.”
A especialista considera que pode haver alta das judicializações sobre conteúdos nas redes sociais, caso o decreto entre em vigor. “Quanto a judicialização dos casos, com certeza, com a alteração, muitos usuários irão procurar a tutela jurisdicional para terem seus direitos garantidos, uma vez que grande parte da população já tem conhecimento dos fatos relacionados às fake news e os danos ocasionados por elas.”
A favor
O deputado Loester Trutis (PSL) é a favor do decreto e já se manifestou nas redes sociais. Ele alega que deve haver liberdade de expressão.