Grupos trocam acusações com assessores do ex-ministro por medo de serem responsabilizados por recomendação da cloroquina.
25 março 2021- 23h30
Um impasse interno pode ter contribuído com a saída de Eduardo Pazuello do Ministério da Saúde. Seria um atrito pela responsabilidade ao uso da cloroquina entre a equipe do militar e Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde, também conhecida pelos funcionários da Saúde como “capitã cloroquina”.
Informações obtidas pelo SBT News apontam que Mayra Pinheiro articulava internamente a saída de Pazuello. A questão chegou a ser citada pelo ex-ministro durante a saída da pasta. Em discurso interno, Pazuello afirmou ter passado por sabotagem dentro do Ministério da Saúde, e disse que o novo ministro, Marcelo Queiroga, deve estar preparado para receber “tiro de fora e de dentro do ministério o tempo todo”.
Na fala, Pazuello citou que um grupo de médicos do próprio Ministério da Saúde, em fevereiro, articulou para empurrar o que ele classificou como uma “pseudo” nota técnica sobre medicamentos contra covid, sem citar quais.
Servidores públicos do ministério da Saúde apontam que o grupo citado pelo ex-ministro é liderado pela secretária Mayra Pinheiro. Também afirmam que desde o fim do ano passado ela articulava a saída de Pazuello, na expectativa de ser nomeada ministra da pasta.
Além da secretária, também participaram do movimento de saída do militar os secretários Hélio Angotti Neto, da Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos – que foi o enviado do Ministério da Saúde para viagem da comitiva brasileira a Israel no início de março – e Raphael Medeiros Parente, secretário de Atenção Primária à Saúde, conhecido por ser defensor da bandeira contra o aborto.
Até 4ª feira (24.mar), os três secretários seguiam no Ministério e Queiroga ainda não confirmou se irá mantê-los nas funções.
O que diz a secretária
Mayra Pinheiro afirmou à reportagem que, na verdade, os profissionais citados por Pazuello são pesquisadores da Secretaria de Ciência e Tecnologia e que esses funcionários elaboraram uma nota técnica revisando todos os recursos farmacológicos que poderiam ser usados no enfrentamento à covid.
Mayra disse ainda que a secretaria dela não trata de processos que envolvam pesquisas de medicamentos, e que esses profissionais eram apenas consultores que vazaram a nota sem o conhecimento do secretário Hélio Angotti.
O documento foi encaminhado para alguns médicos que entregaram a nota ao presidente Jair Bolsonaro – sem o “nosso conhecimento” disse Mayra em mensagem à reportagem. A secretária confirmou que Pazuello determinou o afastamento de todos os profissionais que assinaram a nota e que o documento não havia sido concluído e nem aprovado.
Mayra Pinheiro classificou o caso como algo de fato gravíssimo e contra os princípios éticos da administração. O processo de tramitação sobre notas técnicas no Ministério da Saúde segue tramitando.
Quem é Mayra Pinheiro
Mayra Pinheiro é médica, foi candidata do PSDB ao Senado, e foi uma das poucas da equipe do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta que continuou no cargo depois da saída dele.
O que garantiu a permanência dela na função, na gestão Pazuello, foi a proximidade com a família Bolsonaro.
Pseudo Nota Técnica sobre cloroquina
A nota técnica não foi assinada por Pazuello, e ainda aparece no sistema interno do ministério como um levantamento sobre evidências científicas da eficácia e segurança de cloroquina e hidroxicloroquina no combate à covid. Se ele tivesse assinado a nota, o protocolo para uso da cloroquina, criado ainda na gestão Mandetta e que deixa claro que não há comprovação sobre a eficácia do medicamento, iria mudar.
No discurso de despedida, o general disse que o grupo de médicos tentou empurrar o pseudo documento e que isso, segundo Pazuello, iria colocar o Ministério da Saúde em extrema vulnerabilidade. “Essa nota técnica foi montada dentro do ministério e esses médicos levaram uma fake news para dentro da pasta” afirmou Pazuello em discurso de despedida.
Tanto a secretária Mayra quanto o secretário Hélio insistiam que havia estudos em outros países sobre o assunto, mas as informações não são avalizadas pela comunidade científica. Foi da secretária Mayra também a ideia de percorrer Unidades Básicas de Saúde de Manaus incentivando o uso da cloroquina em pacientes com suspeita de coronavírus. A visita da comitiva, que contou com a presença de Pazuello, aconteceu dias antes da crise do oxigênio no Amazonas.
O Tribunal de Contas da União apura se o Ministério da Saúde sob a gestão de Pazuello recomendou o uso da cloroquina de forma indevida. O remédio usado em pacientes com malária faz parte do tratamento off-label, ou seja, não tem previsão na bula de que ele funciona contra a Covid, mas os médicos têm autonomia para receitar a medicação desde que o paciente autorize. Ainda não há remédio com eficácia comprovada contra o coronavírus.
Novo cargo a Pazuello
O pronunciamento de Pazuello ao deixar o Ministério da Saúde surpreendeu porque ele saiu expondo o fogo amigo da própria equipe e também indicou que no final do ano sofreu pressão política para liberar o que ele chamou de “pixulé de final de ano” – o que foi entendido como uma referência da pressão de parlamentares para a distribuição de recursos da pasta.
Aliados de Pazuello, que sabem que ele abriu mão do Comando Militar no Norte para assumir o ministério, justificam o discurso em tom de arrependimento por causa da postura do Planalto sobre outros cargos que ele poderia assumir no governo.
Especulou-se de tudo de cargo no exterior, passando por criação de ministério e cargo na Itaipu binacional à coordenação do PPI – o Programa de Privatizações do governo – mas o general deve ficar com um cargo de segundo ou terceiro escalão no Ministério da Defesa.
Fonte: SBTNEWS