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El Niño na agricultura: Estratégias para enfrentar um velho conhecido

24/09/2023-07h46

El Niño é uma característica climática natural pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial. Ele tem influências diretas no clima e pode trazer uma série de efeitos indesejados, inclusive na agricultura.

Causado por uma interação complexa entre os ventos, como correntes oceânicas e a atmosfera, a especificidade El Niño tem uma recorrência variável, demorando de 2 a 7 anos para voltar a ocorrer e intercalando-se com períodos de La Niña e de neutralidade. Os eventos costumam variar em intensidade. Houve eventos muito intensos em 1997-1998 e 2015-2016. Foram secas, inundações e doenças em todo o mundo, com danos e prejuízos da ordem de bilhões de dólares.

Os efeitos do El Niño podem variar bastante nas regiões distintas do globo e mesmo no Brasil, onde, pelas grandes dimensões territoriais, podemos encontrar uma grande diversidade de condições locais, tais como relevância e topografia, que levam a respostas diferenciadas das especificidades. O Nordeste e o Norte do Brasil são mais propensos a secas durante o El Niño, enquanto o Sul e o Sudeste são mais propensos a chuvas mais intensas.

Localizada na faixa de transição entre o clima tropical e o clima subtropical, a região Centro-Oeste se comporta de maneira mais próxima ao que ocorre no Sul do Brasil, entretanto, geralmente esses efeitos tendem a ser menos intensos. Esse também é o panorama de Mato Grosso do Sul, estado pertencente a essa região. Os efeitos na agricultura e pecuária são particularmente importantes em MS, dada a participação dessas atividades na economia local.

O Índice Oceânico Niño 3.4 é um dos principais indicadores de El Niño. Ele é calculado com base nas temperaturas da superfície do Oceano Pacífico equatorial, na região entre a costa do Equador e a Polinésia Francesa. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), são necessários três trimestres consecutivos com anomalia acima de 0,5 °C para declarar oficialmente El Niño. A publicação do valor da anomalia de temperatura do último trimestre (junho-julho-agosto) confirmou que teremos uma safra de verão sob os efeitos do El Niño. Desde 2001, essa será uma oitava safra de verão sob os efeitos do El Niño.

Os possíveis impactos negativos que preocupam os agricultores são decorrentes do excesso de chuvas, que podem impedir operações de manejo e tratos culturais, e as temperaturas adversas altas, que podem afetar diretamente a fisiologia e a produção das culturas. A combinação do aumento das chuvas e temperaturas pode variar de acordo com as determinações e doenças, exigindo maior atenção e controle. Mesmo com o aumento dos volumes totais precipitados, ainda existe uma preocupação com veranicos no período de El Niño. Isso porque é notável a maior distribuição das chuvas nesses períodos, com o agravamento das temperaturas mais elevadas.

O impacto econômico da ocorrência do El Niño deve-se tanto à redução potencial da produção (inclusive por perdas na colheita), como pelo encarecimento dos insumos necessários e práticas agrícolas agrícolas (como controle de políticas e doenças). Em qualquer caso, espera-se um incremento no custo de produção por tonelada produzida.

A Tabela 1 reúne informações das safras de soja cultivadas em Dourados sob El Niño, desde 2001. Esta tabela revela que certa estabilidade da produção, sendo pouco comum encontrarmos reduções drásticas. Apesar disto, o incremento produtivo não acompanha a maior oferta hídrica.

Safra sob
El Niño
Chuva no ciclo
 (mm)
Chuva na fase
reprodutiva (mm)
Produtividade
IBGE * (kg/ha)
2002-2003922,6429,92799
2004-2005765,8318,81800**
2006-2007702,2463,82800
2009-201010074,4543,13120
2014-2015572,8200,23.000
2015-20161310,6567,63300
2018-2019929,4235,53.000
Média El Niño896,8394,12831
2001-2023726,5339,82756
Impacto do
El Niño***
23,4%16,0%2,7%

Notas:
* Dados do levantamento da Produção Agrícola Municipal (PAM/IBGE) para Dourados/MS;
** A produtividade para a safra 2004/2005 reflete um ano com bom volume total precipitado, mas com mais distribuição e condições adequadas para o desenvolvimento da ferrugem asiática.
*** Impacto relativo fornecido pelo El Niño em relação à média de todos os anos no período avaliado (2001 a 2023).

Prevenir os efeitos do El Niño é uma tarefa difícil, uma vez que essa ocorrência climática é natural e sua ocorrência é fora do controle humano. Mas podemos lançar mão de estratégias para reduzir ou mitigar os impactos negativos causados ​​por ele. Muitas técnicas requerem um planejamento e ação a longo prazo, tal como a adoção de sistemas mais sustentáveis ​​e resilientes, a exemplo do planejamento direto. Um solo mais estruturado e protegido pela palhada torna-se menos suscetível a efeitos indesejados ou inesperados do clima.

Manejo – Contudo, a ideia neste artigo consiste em nos determos como medidas de curto prazo. Nesse âmbito, uma primeira preocupação que surge refere-se à conservação do solo. Diante de um cenário de chuvas intensas, seria mais adequado evitar ou adiar práticas agrícolas que possam desestruturar o solo, tais como aração, subsolagem ou escarificação. A manutenção da palhada também seria inconveniente. Inspeção e manutenção de terraços também é uma prática desejada nesse contexto.

Uma outra estratégia é o plantio escalonado, utilizando mais de um dado de plantio e com intervalo de alguns dias entre eles. Com partes do trabalho em diferentes estádios de desenvolvimento existe maior chance de escapar de eventos indesejados, como uma seca no período crítico ou chuva na colheita.

Seguir as recomendações do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) é outra ação a ser tomada. O ZARC indica épocas com maior chance de sucesso, independentemente da ocorrência de El Niño ou La Niña.

Por fim, numa situação de El Niño, deve-se acompanhar atentamente as variações de tempo para programar os tratos culturais. Deve-se estar atento para não atrasar as pulverizações de fitossanitários, especialmente porque nesses cenários psicológicos e severos tendem a se intensificar. Outra preocupação é com a prática de dessecação para colheita, que não deve ser realizada antes de períodos de chuva.

No geral, o El Niño é um complexo climático que pode ter impactos significativos na agricultura. É importante estar ciente de que os riscos da agricultura são maiores durante essas influências, para adotar estratégias que reduzam seus efeitos negativos.

Para saber mais:
Site do Centro de Previsão do Clima (CPC) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), com publicação do Índice Oceânico Niño (ONI) na região Niño 3.4 (área entre 5°S e 5°N de latitude e 120° a 170°W de longitude).

Éder Comunello, Rodrigo Arroyo Garcia, Danilton Luiz Flumignan, Carlos Ricardo Fietz (Pesquisadores)
Embrapa Agropecuária Oeste

Fonte: Revista Rural