09/05/2023-17h07
Em nota publicada nesta semana, assembleia Aty Guassu revela que órgão ligado à igreja católica bancou viagem de 80 indígenas para ocupação no interior
Fazenda do Inho está ocupada desde março, em Rio Brilhante – Aty Guassu
Em carta assinada no dia 7 deste mês, a Assembleia Aty Guassu, coletivo guarani-kaiowa que responde pelas ocupações e pela luta dos povos destas etnias por território em Mato Grosso do Sul, admitiram que contaram com apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) para a invasão da Fazenda do Inho, propriedade localizada em Rio Brilhante e pertencente à família do engenheiro agrônomo José Raul das Neves Júnior.
A região reivindicada pelos indígenas em que se encontra a propriedade de José Raul das Neves é chamada pelos indígenas de tekoha (área de retomada) Laranjeira Nhanderu, e na carta, a Assembleia Aty Guassu respondeu as acusações de contar com o patrocínio do Cimi da seguinte forma: “laranjeira Nhanderu sofreu ataque ilegal de policiais. Pessoas daquela comunidade forma presas indevidamente e inclusive a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) foi violada por isso que pedimos ônibus para o Cimi que ajudou como sempre nos ajuda a ir a Brasília denunciar nossa situação ou até mesmo para fora do país”, afirmou a assembleia Aty Guassu em sua carta.
No mesmo documento, a assembleia ainda diz que a viagem bancada pelo Cimi, reuniu os indígenas em uma assembleia. “Teve o Ministério Público Federal, e Defensoria (Pública) da União e do Estado também. Lá encaminhamos tudo que o Estado e a polícia fizeram contra nosso povo e pedimos ajuda para levar os feridos para o hospital”, afirmaram.
“Depois que voltamos pra casa, soubemos, como já denunciamos em outra carta, que os policias foram atrás do ônibus das empresas e assustaram os motoristas e também perseguiram algumas de nossas lideranças”, afirmou.
De fato, além do inquérito que tramita na Polícia Civil de Rio Brilhante, há uma outra investigação em curso na Polícia Federal de Dourados. A apuração federal, porém, tem o propósito oposto, que é o de apurar eventual coação às empresas que prestaram serviços ao Cimi.
Investigação
Inquérito da Polícia Civil de Rio Brilhante tem indícios de que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) patrocinou a invasão à Fazenda do Inho, no dia 6 de março deste ano, por indígenas da etnia guarani-kaiowá.
O órgão, ligado à Igreja Católica Apostólica Romana, bancou o fretamento de dois ônibus para garantir a ocupação e pagou R$ 20 mil pelas viagens. A notícia foi divulgada em primeira mão pelo Correio do Estado no dia 5 de maio.
Conforme inquérito ao qual o Correio teve acesso, as notas fiscais estão em poder da Polícia Civil de Rio Brilhante, que investiga o esbulho possessório contra o produtor rural José Raul das Neves, de 83 anos, e seu filho José Raul das Neves Júnior.
A fazenda pertence à família deles desde 1967 e nunca esteve, até então, nos documentos oficiais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como uma possível terra indígena, segundo José Raul Júnior, que administra a propriedade.
No inquérito constam depoimentos dos proprietários das empresas de fretamento de ônibus e também as notas fiscais de contratação das viagens.
O Cimi pagou R$ 10 mil por viagem. Um dos ônibus, da empresa Anjos Transportes, saiu da cidade de Amambai, levando indígenas da aldeia da cidade. O outro ônibus, da empresa SB, saiu de Dourados, levando indígenas guarani-kaiowá residentes nas cidades de Naviraí, Eldorado, Iguatemi, Amambai, Tacuru e Paranhos.
A Fazenda do Inho, invadida no dia 6 de março, continua ocupada, porém, com menos indígenas. José Raul das Neves Júnior disse ao Correio do Estado que, nas semanas seguintes à invasão, os cerca de 80 indígenas voltaram para suas aldeias de origem. Ele, porém, continua sem poder utilizar a propriedade.
“Tive apenas três dias para colher a soja que tinha plantado no local. Consegui plantar aproximadamente 70 hectares de milho safrinha, mas não consigo entrar na propriedade para me dedicar à cultura”, queixou-se.
José Raul Júnior também é dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT) em Rio Brilhante e contou com o apoio de parlamentares, como o deputado estadual Zeca do PT e o deputado federal Vander Loubet, na mediação para que os indígenas desocupassem o local, mas sem sucesso.
Atualmente, ajuizou uma ação de reintegração de posse na Justiça Federal, em Dourados, que ainda não teve decisão tomada.
A Fazenda do Inho tem 392 hectares e é o único bem da família Neves. A área cultivável é de aproximadamente 250 hectares. Ela está localizada às margens da BR-163 e às margens do Rio Brilhante.
A propriedade vizinha, a Fazenda Santo Antônio da Esperança, está ocupada desde 2007, segundo informou José Raul Júnior.
Reivindicação ou “Direito de invadir”?
Na mesma carta publicada no dia 7, no site do Cimi, em que admite ser patrocinada pelo órgão da Igreja Católica, a Assembleia Aty Guassu também reafirma o seu direito de ocupar terras.
“Não há nada pior para nós do que menosprezarem nossas decisões e o direito de nossa luta por nossos Tekoha (locais considerados sagrados, e terras a serem retomadas e reivindicadas para demarcação)”, afirmam os indígenas.
Os Aty Guassu, por sua vez, afirmam que não é a Aty Guassu, nem uma organização kaiowa decide uma retomada.
“ Isso vem de cada comunidade que não aguenta mais viver massacrada enquanto espera sua demarcação e que sabe onde fica seu território que foi roubado”.
A resposta dos indígenas surgiu depois de o proprietário da Fazenda, José Raul das Neves Júnior, embasar sua defesa justamente no fato de a terra reivindicada pelos guarani-kaiowa, a Laranjeira-Nhanderu, não constar em nenhum termo de ajustamento de conduta chancelado pela Funai ou pelo Ministério Público Federal nos últimos 20 anos, ao contrários de terras localizadas nos municípios de Caarapó e Amambai, por exemplo.
A argumentação de José Raul Júnior, que detém o título da propriedade desde 1967 (a propriedade é legalizada há mais de 100 anos) e falta de qualquer oficialização do clamor dos indígenas, até mesmo de estudos antropológicos, enfraqueceu o movimento perante a opinião pública.
Filiado ao PT, partido que historicamente esteve ao lado das causas indígenas, José Raul conta com o apoio de dois parlamentares: Zeca do PT (deputado estadual) e Vander Loubet (deputado federal).
Fonte: Correio do Estado